Categoria: Pessoas

Não se pode ensinar truques a um urso velho

“Não se pode ensinar truques a um urso velho.” – Masha de Masha e o Urso.

Em algumas situações sociais, reparo que algumas pessoas cristalizaram no tempo. Defendem as mesmas opiniões de sempre, apesar de quase tudo ter mudado nos últimos anos.

Longe vão os tempos em que defendia apaixonadamente os meus pontos de vista, na tentativa inglória de abrir os olhos a quem quisesse mesmo ouvir. Mas uma das coisas que a idade nos ensina, é a serenidade. Não posso mudar o Mundo, mas pelas minhas acções posso torná-lo um pedacinho melhor. Cada vez mais, os atos e os valores valem mais que as palavras.

Noto que cada vez falo menos, mas quando intervenho, tento que cada palavra reflicta não só aquilo que penso, mas sobretudo o que faço. Também, cada vez julgo menos os outros. Por um lado, não tenho todos os factos e por outro não me cabe a mim esse papel.

A única coisa que posso fazer é continuar a aprender de tudo um pouco e transmitir esse conhecimento aos meus filhos. Ser um urso velho é muito fácil actualmente, basta abrir o Netflix ou o Instagram e passar horas a consumir conteúdo passivamente, sem qualquer espírito crítico. Com tanto conhecimento disponível e quase todo de forma gratuita, nunca houve tão pouca apetência para aprender.

 

Pequeno gesto

Idosa desespera pelo fim da diálise, faltam apenas alguns minutos. O cobertor só deixa ver os olhos cansados e os cabelos brancos.

A assistente antecede-me, cumprimenta a velhota de forma automática, enquanto lhe puxa o cobertor e o lençol para baixo. Estremece, não sei se de frio, se da súbita invasão do seu espaço íntimo. Tenho de lhe palpar o cateter. Procedo com todo o cuidado, pela palpação percebo que o trajecto do tubo termina sobre a jugular. Os acessos de um doente renal são os seus mais preciosos bens. Sem eles, a morte será rápida e terrível. A assistente continua a debitar concentrações de sódio, volumes por minuto e tamanhos do dialisado.

A velhota fita o vazio, encolhendo-se. De uma maneira inconsciente, volto a puxar-lhe o cobertor para cima. Sorri-me e esboça-me um obrigado com os lábios.

Afinal, estava com frio.