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Algo engraçado que noto cada vez mais nas verdadeiras amizades. Posso estar mais de ano sem falar com essa pessoa, mas depois de começar a conversar, parece que foi ontem.

Os melhores amigos

Os melhores amigos não são os que nos ligam ou convidam mais. São aqueles que estão presentes nos bons e nos maus momentos.

Pequeno gesto

Idosa desespera pelo fim da diálise, faltam apenas alguns minutos. O cobertor só deixa ver os olhos cansados e os cabelos brancos.

A assistente antecede-me, cumprimenta a velhota de forma automática, enquanto lhe puxa o cobertor e o lençol para baixo. Estremece, não sei se de frio, se da súbita invasão do seu espaço íntimo. Tenho de lhe palpar o cateter. Procedo com todo o cuidado, pela palpação percebo que o trajecto do tubo termina sobre a jugular. Os acessos de um doente renal são os seus mais preciosos bens. Sem eles, a morte será rápida e terrível. A assistente continua a debitar concentrações de sódio, volumes por minuto e tamanhos do dialisado.

A velhota fita o vazio, encolhendo-se. De uma maneira inconsciente, volto a puxar-lhe o cobertor para cima. Sorri-me e esboça-me um obrigado com os lábios.

Afinal, estava com frio.

A brincar também se cresce

Nota do editor: Este texto não é da minha autoria. Foi escrito por uma psicóloga, que por coincidência é a minha mãe.

O brincar é uma atividade lúdica importante, saudável e útil, tanto no plano físico, como no mental. Além disso, é muito relevante quer como uma estratégia de ensino ou facilitadora da aprendizagem.

Actualmente existe uma tendência dos pais se preocuparem muito com o trabalho, relegando as necessidades básicas da criança para segundo plano. Valorizam,  acima de tudo, o sucesso escolar e o desempenho das mesmas.

Piaget, diz que o brincar se dá de acordo com a faixa etária, e a criança, enquanto brinca, está a progredir nas diferentes esferas do desenvolvimento.  Segundo a sua opinião, brincar não é apenas uma forma de divertimento para gastar energia, mas também, é um meio que contribui e enriquece o desenvolvimento. Segundo ele, podemos distinguir três tipos de brincar:

  • brincar prático – inclui o brincar sensório-motor e exploratório do bebé que ocorre entre os 6 meses aos 2 anos
  • brincar simbólico – engloba o brincar ao faz de conta, fantasiar e socio dramático da criança pré-escolar. Ocorre entre os 2- 6 anos.
  • brincar com regras – as brincadeiras e jogos realizados já têm regras. Ocorre a partir dos 6-7Anos.

Mais do que uma ferramenta, o brincar é fundamental para a criança porque:

  • Reforça os laços afectivos. A criança sente mais valorizada quando brinca com um adulto. Quantas crianças não estão constantemente a pedir aos pais para brincarem com elas? Na brincadeira, a participação do adulto, deve apenas limitar-se a uma sugestão, a um estímulo, a uma participação de igual para igual, para que não haja restrição à iniciativa e à criatividade da criança.
  • Promove a descoberta do ambiente que a rodeia, na medida em que a criança enquanto brinca está a desenvolver aptidões e  atitudes sociais que irá utilizar ao longo da vida, nas diversas situações do dia a dia e na relação com os outros;
  • Potencia um desenvolvimento mais positivo, mais harmonioso e mais equilibrado. É uma fonte de diversas descobertas e é através as quais, a criança aprende regras, valores e costumes. É tão essencial, como dormir, respirar e comer;
  • Desenvolve a independência. Ao brincar e, sendo esta uma atividade livre, que não pode ser imposta ou condicionada a criança, apesar de ser dependente dos pais para os diversos cuidados, sente que no ato de brincar ela domina parte da vida, considerando-se dona e senhora da situação.  Ao brincar está a conhecer o seu próprio corpo e as suas potencialidades, permitindo-lhe também exteriorizar situações agradáveis e desagradáveis.

Os brinquedos, quando adaptados à idade e/ou ao desenvolvimento da criança ajudam a criar competências, tanto a nível mental como motor. Porém, não são substitutos de afecto, de disponibilidade, de tempo e de “colinho” dos pais.

Escrito por: Maria Cipriana Dinis (Psicóloga Clínica)

Foto por Robert Collins no Unsplash

Como dizer ao seu filho que o avô morreu?

Infelizmente vivi esta situação há uns dias. O meu pai faleceu após doença oncológica prolongada.

Depois da conversa, com o nosso filho mais velho com 4 anos, apercebemo-nos dos erros que fomos cometendo ao longo destes meses.

Tentar proteger a criança da situação, ocultando-lhe a verdade é um erro. Sem nunca lhe termos dito directamente, o nosso filho mais velho já se tinha apercebido onde era a doença, que era grave e que algo tinha acontecido ao avô, porque quando acordou, quem estava em nossa casa eram os avós maternos.

Falar com ele foi muito difícil. Muito mais difícil do que as chamadas que tive que fazer para a minha mãe e para o meu irmão. Teve de ser a Cátia a iniciar a conversa, porque pensar que o meu pai nunca mais lhe contaria histórias, foi das maiores tristezas que já senti. O meu pai adorava os netos e tinha uma paciência infinita para eles. Andava sempre com o telemóvel a mostrar fotografias a quem as quisesse ver. Na fase mais avançada da doença e já muito debilitado, sorria sempre que se falava deles ou recebia mais uma fotografia ou vídeo.

Ouvir a pergunta e responder sempre de forma calma e directa. Não responder ao que não foi perguntado. Segundo o psicólogo Eduardo Sá, a simplicidade é sempre a melhor arma: tem que se explicar a morte em termos que uma criança possa entender, e isso não significa dizer-lhe que a pessoa ‘está no Céu’, porque para eles isso significará, literalmente, que estão nas nuvens.

Para demonstrar isto mesmo, alguém disse ao nosso filho mais velho que o “Avô está no Céu”, e no trajecto para a escola, perguntou-me: “Papá, o Céu fica por cima do Espaço?”. Confesso que fiquei perplexo e orgulhoso em simultâneo. Orgulhoso, porque tínhamos falado sobre o Espaço no fim de semana e confirmei que ele tinha percebido o conceito. Todos os planetas e estrelas estão no Espaço. Perplexo, porque fiquei sem saber muito bem o que responder e porque recorrer a meias-verdades ou a eufemismos geram confusão e quebram a confiança das crianças, segundo pediatra norte-americano T. B. Brazelton.

Frases como “O Avô está a dormir” são mesmo de evitar, porque podem desencadear medo de ir dormir. Eduardo Sá acrescenta que “as crianças pequenas são literais: por isso explique a morte em termos básicos, se um avô morreu, pode dizer que o corpo dele deixou de funcionar e os médicos não conseguiram consertá-lo.” Mas cuidado: é melhor não dizer “o avô morreu porque estava doente”, ou o neto achará que, de cada vez que tiver gripe, estará em risco iminente…”

Muitas crianças vivem um luto secreto, que muitas vezes não verbalizam com os pais e apenas partilham com os seus amigos da escola. Ao sentirem os pais tristes, preferem falar sobre a morte de alguém próximo, como o melhor amigo da escola. Este luto pode suscitar perguntas dias, semanas ou mesmo meses depois. Além disso, criança pode estar triste por causa do Avô num momento e a brincar com o Lego no momento seguinte. Estas perguntas, por vezes muito espaçadas no tempo, fazem parte dos mecanismos que a criança utiliza para processar a morte.

Depois de termos falado com o B., deixei de simplesmente de lhe ocultar as lágrimas ou quando estou mais triste. Sei que ele percebe o que estou a sentir e por vezes vem abraçar-me.

Foto por Vidar Nordli-Mathisen no Unsplash

Nos últimos meses tenho tido o privilégio de transportar o filhote mais velho para creche.

No início, a experiência não foi agradável, confesso. O filhote pedia incessantemente para o levar para casa, para não o deixar na escola. Mal transpúnhamos o portão principal, chorava agarrado a mim. À porta da sala não me queria largar. Percorria aquele corredor de volta ao carro inundado de tristeza e de dúvidas.

Com o tempo, as viagens foram mudando. Ora vamos calados, ora numa sessão de perguntas e respostas, ora em conversas sem sentido, mas muito divertidas.

Mas o que me deixa orgulhoso, além das perguntas que faz, é que ele escolha viajar em silêncio, embora atento ao mundo que o rodeia. Quase que consigo ouvir as sinapses dele a fervilharem de tanta actividade. As vezes faz a pergunta logo ali “Os comboios amarelos são da Carris?”, “Aquele prédio tem dói, dói?” (Referindo-se ao Padrão dos Descobrimentos, que como está em obras tem uma gigantesca lona branca a escondê-lo). Outras vezes faz perguntas horas ou dia depois “Papá porque apitaste?” “Estavas triste com a menina [condutora]?”

A meu ver, conseguir estar em silêncio próximo das outras pessoas é um inequívoco sinal de inteligência. Não significa estar sempre calado sem dizer nada, mas ficar calado se nada de interessante existe para acrescentar.

Espero que, tanto ele, como o mais novo nunca percam a curiosidade pelo mundo que os rodeia. Porque é uma das características que os levará longe na vida.